29 ago 2022

As histórias de nossas vidas

Desde muito pequenos nós temos contatos com histórias. Sejam aquelas contadas na hora de dormir ou as apresentadas nos livros e filmes infantis, histórias fazem parte da nossa vida, desde o início de nosso desenvolvimento. Elas nos encantam e nos influenciam: admiramos personagens, desenvolvemos aversão por outros, aprendemos sobre o mundo e até sobre nos mesmos.

Quando uma pessoa chega à terapia, grande parte do nosso trabalho consiste em ouvir a história que ela tem a contar sobre sua vida. São histórias que têm cenário, trama, vilões e mocinhos, e cujo fim nosso cliente imagina. Narrativas que ele mesma desenvolveu, ou que outras pessoas que foram parte de sua vida lhe contaram. Assim como toda história, aquela que contamos sobre nós mesmos também nos influencia. Esta narrativa direciona como serão nossas relações interpessoais, a forma como veremos o mundo, o modo que vivemos a vida e a direção na qual caminhamos.

Imagine uma mulher chamada Maria, que conta eventos de vida bastante negativos, e descreve a si mesma como inútil, desinteressante, alguém sem valor e que não merece nenhuma admiração ou reconhecimento. Provavelmente essa mulher terá dificuldades em desenvolver amizades, relacionamentos amorosos, uma carreira promissora. O que ela conta sobre ela de forma alguma a incentiva a ter uma vida construtiva.

Como você pode imaginar, a história que contamos sobre nós mesmos não é necessariamente verídica. Aliás, é frequente que nossas narrativas não sejam puras descrições de fatos, pois elas são carregadas de interpretações, pressuposições e distorções, feitas por nós mesmos ou por aqueles que nos ajudam a construir essas narrativas. Maria pode ter sua narrativa construída como resultado de uma vida de violência doméstica, em que sempre foi agredida e subjugada – assim, aprendeu sobre si e seu papel no mundo.

Nesse sentido, podemos pensar que seria papel do terapeuta mostrar para a pessoa que a sua história não condiz com a realidade. Que aquilo em que ela acredita não é verdade, que aquilo que ela vê não existe, e que muitos dos detalhes são exageros ou erros de julgamento. Podemos usar todos os argumentos (verdadeiros e razoáveis!) para convencer Maria de que ela não é nada daquilo que diz. Provavelmente não teremos sucesso.

Se você já tentou debater com alguma pessoa sobre o que ela pensa a respeito de si e de sua vida, tenho certeza de que enfrentou muita dificuldade. É enorme a resistência com que reagimos às tentativas de mudança daquilo que vemos como verdades absolutas, sensatas e importantes, que dão sentido à nossa vida e nos direcionam. Maria vive uma vida restrita, baseada em serviços domésticos e tentativas frustradas e agradar o marido. Ela, de fato, vive essa história, e dificilmente conseguirá descrever algo diferente.

A tentativa de modificar estas narrativas são, em sua maior parte, frustradas e frustrantes. Não conseguimos a mudança esperada, deixamos o outro com a impressão de que está sendo incompreendido e invalidado, e percebemos que nossos esforços foram em vão.

Fato é que reescrever a nossa história é um processo longo e complexo. Envolve emoções difíceis e muita disposição. Provavelmente, se tentássemos mostrar a Maria que ela está errada naquilo que conta sobre si, ela se sentiria (ao menos inicialmente) desconsiderada e mal-entendida.

Nosso foco, então, não é mudança. Não é avaliar se a história é verdadeira ou falsa, se é sensacionalista, enviesada ou tendenciosa. Nossa proposta é de olhar para as histórias como elas são: um conjunto de palavras. Histórias não são fatos, nem eventos. São palavras, e como tais, possuem o significado e a importância que damos a elas.

Pense nesses exemplos: culpa, arrependimento, responsabilidade – cada uma dessas palavras tem um significado e um valor diferente para cada pessoa. Alguns entendem responsabilidade como algo essencial, e assumem as rédeas de suas vidas. Outros olham para ela como um impedimento à liberdade, e renunciam qualquer tipo de responsabilidade.

As palavras, portanto, têm diferentes funções na vida de cada pessoa. As histórias que contamos sobre nós são conjuntos de palavras, de letras e sons, que podem ser ou não ameaçadoras, verdadeiras, importantes, e que podemos ou não obedecer. Precisamos, então, tentar entender qual sua utilidade: as histórias que conto sobre mim me ajudam a viver uma vida melhor? Me ajudam a ter uma boa autoestima, a ter objetivos, a viver uma vida que considero digna? O que eu digo e repito tem me ajudado a caminhar na direção que importa? Caso sua narrativa não seja útil, talvez seja o momento de olhar para ela como ela realmente é: apenas uma história.

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